
TEXTOS
"Ler é exercitar o discernimento. Quando lemos, colocamo-nos de modo favorável ou não aos pontos de vista, pesamos argumentos e argumentamos dentro de nós mesmos, refletimos sobre opções do personagem ou sobre as idéias defendidas pelo autor..." (Rita Foelker)
GRANDE CABEÇA
O Dr. Abelardo Tourinho era, indiscutivelmente, verdadeira águia de inteligência. Advogado de renome, não conhecia derrotas. Sua palavra sugestiva, nos grandes processos, tocava-se de maravilhosa expressão de magnetismo pessoal. Seus pareceres denunciavam apurada cultura. Abelardo se mantinha, horas e horas, no gabinete particular, surpreendendo as colisões das leis humanas entre si. Mas, seu talento privilegiado caracterizava-se por um traço lamentável. Não vacilava na defesa do mal, diante do dinheiro. Se o cliente prometia pagamento farto, o advogado torturava decretos, ladeava artigos, forçava interpretações e acabava em triunfo espetacular. Chamavam-lhe “grande cabeça” nos círculos de convivência comum. Era temido pelos colegas de carreira. Os assistentes se atropelavam a fim de atendê-lo no que desejasse. Muita vez, foi convidado a atuar, em posição destacada, nas esferas político-administrativas; entretanto, esquivava-se, porque as gratificações dum deputado eram singelas, perto dos honorários que recebia. Seus clientes degradantes eram sempre numerosos. Sua banca era frequentada por avarentos transformados em sanguessugas do povo, por negociantes inescrupulosos ou por criminosos da vida econômica, detentores de importante ficha bancária. Abelardo nunca foi visto lutando em causa humilde, defendendo os fracos contra os poderosos, amparando infortunados contra os favorecidos da sorte. Afirmava não se interessar por questões pequenas.
Mas, havia alguém que o acompanhava, sem tecer elogios precipitados. Era sua mãe, nobre velhinha cristã, que o alertava, de quando em quando, com sinceridade e amor. Dizia ela:
- Abelardo, não te descuides na missão do Direito. Não admitas que a ideia de ganho te avassale as cogitações. Creio que a tarefa da justiça terrestre é muito delicada, além de profundamente complexa.
Textos anteriores
PROMESSAS E PENITÊNCIAS NA VISÃO ESPÍRITA
Observa-se que o pagamento da promessa quase sempre está condicionado ao benefício recebido. Depois que a moça arranja marido ou o jovem passa no vestibular é que ofertam ao santo as velas ou fazem as penitências. Primeiro o favor e depois o pagamento!
Se para nada se aproveita, que sentido pode ter para as divindades a despesa ou o sacrifício das pessoas? Poderíamos fazer uma trova dizendo: “A luz que ilumina a alma/é somente a da oração/porque a luz da vela acesa/só gera mais poluição.”
O Espiritismo traz-nos clareza sobre o assunto no Capítulo V de O Livro dos Espíritos, em Privações Voluntárias. Mortificações. A pergunta 720 é: “São meritórias aos olhos de Deus as privações voluntárias com o objetivo de uma expiação igualmente voluntária?” Resposta: “Fazei o bem ao vosso semelhante e mais mérito terás.”
Na questão 721, temos: “É meritória, de qualquer ponto de vista, a vida de mortificações ascéticas que desde a mais remota antiguidade teve praticantes no seio de diversos povos?” Resposta: “Procurai saber a quem ela aproveita e tereis a resposta; se somente serve para quem a pratica e o impede de fazer o bem, é egoísmo, seja qual for o pretexto com que entendam de colori-la. Privar-se a si mesmo e trabalhar para os outros, tal a verdadeira mortificação, segundo a caridade cristã.”
A conclusão a que nos leva o Espiritismo é que o dinheiro gasto nas velas, nas fitas, nas flores, deveria ser gasto no pão para um faminto. A energia despendida para subir a escada de joelhos ou para a longa caminhada, às vezes com o flagelo de uma cruz nos ombros, deveria ser usada para ajudar alguém a erguer sua moradia, para cuidar de uma criança pobre, para levar um doente até o hospital. Essa energia tem seu gasto recompensado porque se fundamenta na caridade sem egoísmo e sem esperar retribuições.